Cultura periférica é exaltada em Audiência Pública de autoria da vereadora Sonia Meire
Na manhã desta sexta-feira, dia 10, aconteceu, no plenário da Câmara Municipal de Aracaju (CMA), uma Audiência Pública com o tema “Política Pública de Arte e Cultura Periférica em Aracaju”, de autoria da vereadora professora Sonia Meire (PSOL). A audiência teve o objetivo de discutir o atual cenário da cultura local, elencando desafios e debatendo propostas para fortalecer a valorização e o fomento dessa cultura, como o Hip Hop, reconhecido como patrimônio cultural imaterial de Aracaju.
“As culturas periféricas vivem em movimento; elas circulam na cidade, estão sempre em resistência e em produção de consciência sobre a nossa realidade, produzindo, a partir dessa consciência da arte e da cultura, não só resistência, mas também transformações reais na nossa vida. O Hip Hop salva — e não só ele, mas todas as linguagens salvam vidas. Precisamos trabalhar o potencial que temos produzido de forma crítica, para que possamos avançar e jamais retroceder. Agradeço a todos que se dispuseram a participar desta audiência”, disse a vereadora.
A mesa de debate contou com a participação da deputada estadual pelo PSOL, Linda Brasil; da rapper Ane Souza; do professor e ativista do Hip Hop, Eomarco; da ativista de direitos humanos, Iza Negratcha; e também da rapper Yala Souza. “Na periferia existe uma potência muito grande: temos escritores, poetas, muitos fazedores de cultura. E, na maioria das vezes, as pessoas entendem o movimento Hip Hop como algo marginal — marginal no sentido pejorativo. Eu ressignifico esse termo, porque é uma literatura que vem das margens. Eu reafirmo: sou das margens, sou da periferia e trago a literatura através do meu projeto Sancofa. O movimento Hip Hop tem essa base de transformações sociais e de resgate de vidas”, disse Ane Souza.
O professor Eomarco destacou o absurdo do projeto conhecido como “lei anti-Oruam", que alguns parlamentares de direita tentam aprovar em Aracaju. “Com o pretexto de defesa da infância e da juventude, completos ignorantes acerca da cultura periférica decidem pautar o que pode ou não ser cantado nas músicas. Os mesmos que se dizem a favor desse PL votam contra a regulamentação das redes. Não é em um show gratuito, aberto ao público, que as crianças ouvem Oruam, e sim na internet. Em nosso estado, as leis de incentivo à cultura têm grande impacto — com profissionalização, aumento das produções, do alcance da produção local e sobrevida de nomes do Hip Hop. Quem entende a importância dessa cultura sabe que ela é uma ferramenta de resgate da juventude preta e periférica”.
A militante de direitos humanos, presidenta nacional da Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop e também assessora parlamentar da mandata da deputada Linda Brasil, Iza Negratcha, destacou que falar da cultura periférica é falar sobre as vivências dela e de outros fazedores de cultura dentro das próprias comunidades. “Precisamos trazer isso à tona e fortalecer o entendimento de que o Hip Hop atua em diversos espaços. Ele não pode ser resumido a uma caixinha cultural, porque é muito mais do que cultura. As pessoas dizem que o movimento é marginalizado, mas, se realmente fosse, não teria construído tantas políticas públicas. O movimento cultural também engloba o reggae e o funk, que estão juntos na resistência. A Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop é formada por frentes estaduais — aqui em Sergipe, ela existe — e temos ocupado importantes espaços, como o Conselho de Cultura e o Conselho de Mulheres”.
A rapper Yala Souza ressaltou que é muito importante uma pessoa como ela ocupar esse espaço, porque, muitas vezes, não se reconhece nem se sente representada nos parlamentos. “Aqui é a casa do povo, e nós temos o direito de ocupar e de falar sobre as nossas necessidades e dificuldades. O Estado escolhe quais corpos sofrem violência, e, por isso, a periferia é vista de forma negativa. O movimento Hip Hop é formador político: se eu tenho consciência de classe, consciência racial, se reconheço que sou uma mulher negra, vinda da periferia, e me empoderei, foi por causa do rap. Se eu sou cientista social pela Universidade Federal de Sergipe, foi por causa do movimento. Nossos jovens estão sendo exterminados por uma polícia letal e, com todas essas informações que eu tenho, preciso falar sobre todas essas violências que vêm acontecendo”.
A deputada estadual do PSOL, Linda Brasil, destacou que espaços como a Câmara devem ser utilizados para construir políticas sociais voltadas às pessoas que mais precisam, e não para perseguir movimentos sociais e distorcer lutas. “É importante trazer a indignação do povo com alguns políticos que, em vez de legislar a favor da população, legislam para retirar direitos, atacar e criminalizar as populações — principalmente a periférica e a negra do nosso estado. Usar o extermínio da população negra para obter votos é inadmissível. Eles dizem que vão diminuir a violência com mais violência, mas existe um sistema que deve investigar e condenar as pessoas. Os verdadeiros bandidos não estão nas favelas. Falar de cultura periférica é ameaçar esse sistema que está aí. Nós não vamos nos intimidar e eles não vão nos silenciar”.
A vereadora Sonia Meire finalizou destacando que produzir cultura é trabalho, que o direito ao trabalho precisa avançar e que, por isso, é essencial a existência de um Fundo de Cultura. “Quem produz cultura, às vezes, consegue um recurso de edital uma vez por ano. Mas quem paga o aluguel, a conta de água, de energia? Quem paga a cultura? A cultura não avança sem educação — e é por isso que se combate a educação crítica. A extrema-direita quer dizer que aqui não é o nosso lugar, mas é aqui que tem de ser, porque é neste espaço que se aprova o orçamento e se fazem as leis. É difícil acreditar na política, mas não é nessa política que acreditamos — e sim na transformação pela política. Hoje, precisamos desse espaço também para transformar a política. Por isso, foi importante reconhecer o Hip Hop como patrimônio. Quem produz cultura periférica não faz apologia às armas. Fiquei muito feliz com esse debate, porque discutir cultura é também discutir nossas vidas. Temos uma diversidade de artistas que precisam de políticas de cultura municipal construídas coletivamente”.